domingo, 28 de setembro de 2014

Entrevista com Zândhio Aquino sobre a participação da Arandu Arakuaa em outros projetos





Em abril foi publicada uma matéria no whiplash, por Guilherme Guava, sobre a participação da Arandu Arakuaa no segundo CD do AcllA. A matéria segue abaixo:

A banda paulistana AcllA está em estúdio para gravar seu segundo álbum, intitulado “Pindorama”. Conceitual, o disco vai resgatar as raízes brasileiras e incorporar, nas músicas, a influência cultural de nossas nações indígenas. Mas para que o som seja realmente autêntico em sua proposta, a banda entende que não basta utilizar ritmos e melodias com raízes que remetem ao canto dos vários povos. São necessários instrumentos indígenas de verdade, cânticos em línguas nativas, passagens ritualísticas e sons pouco conhecidos.

Surgiu então o contato com uma banda totalmente inovadora no Heavy Metal Brasileiro. Uma banda que tem na cultura indígena sua maior inspiração e que, em 2013, lançou um álbum que figura em diversas listas de melhores do ano: trata-se do Arandu Arakuaa, de Brasília.

O contato se transformou em parceria, e é com orgulho que o AcllA anuncia que o Arandu Arakuaa participará das gravações de “Pindorama”. Assim, as composições serão enriquecidas com autênticos elementos da música indígena brasileira: letras em tupi-guarani, instrumentos originais, cânticos e muitos outros.

Ou seja, a verdadeira imersão que o passado histórico e cultural brasileiro merece.


Desde então, temos lido vários comentários do AcllA sobre o processo de gravação do álbum Pindorama. Agora a Arandu terminou as gravações de sua participação especial e decidimos entrevistá-los sobre esse processo. Quem responde as perguntas é o guitarrista e compositor Zândhio Aquino.



FÃS ARANDU ARAKUAA: Vimos em um vídeo, que o AcllA divulgou, sobre as gravações do Pindorama  que o contato entre eles e a Arandu surgiu de uma sugestão do adm da página Metaleiro Patriota, Richard Pimentel; fale um pouco sobre como aconteceu esse contato e suas primeiras impressões sobre o projeto.

ZÂNDHIO AQUINO: Exatamente. A partir dessa indicação do Richard, que é um grande apoiador do underground nacional; o Tato Deluca, vocalista do Aclla, entrou em contato comigo, falou sobre o conceito do disco e tive as melhores impressões possíveis. Posteriormente fui a São Paulo e tive oportunidade de conhecer o Tato e o guitarrista Attílio Negri e acompanhar parte do processo. Mantenho contato pela internet também com os demais integrantes da banda, todos excelentes músicos e grandes sujeitos.

FÃS ARANDU ARAKUAA: A proposta do AcllA é tentar resgatar as “raízes brasileiras”, e é dito na resenha com a qual introduzimos essa matéria que eles irão “incorporar, nas músicas, a influência cultural de nossas nações indígenas”. Pareceu-nos que não teremos somente a influência da cultura indígena no álbum, mas sim a influência de outros povos, como os africanos e europeus também, é isso mesmo?

ZÂNDHIO AQUINO: A julgar pelo material que tive acesso, o conceito das letras está bem amarrado ao tema Pindorama e é perceptível que houve um trabalho de pesquisa e toda uma preocupação em passar a informação correta. Na parte musical usam a linguagem do heavy metal clássico com algumas pitadas de metal moderno e forte influência de ritmos brasileiros. As influências de música indígena ficam mais evidentes nos trechos que o Arandu Arakuaa participa.
Será lançada uma versão em inglês e outra em português e os trechos em tupi que gravamos estarão nas duas versões.

FÃS ARANDU ARAKUAA: O termo “Pindorama” remete à História da terra onde vivemos, mas é uma história que termina com a chegada dos europeus, ou seja, a História de Pindorama termina quando começa a História do Brasil. Assim, consideramos de grande importância esse resgate e essa divulgação dessa História, que muitos de nós sequer imagina que existiu, pois nas escolas a História do Brasil é apresentada como se nada existisse aqui antes dela.  Quem conhece os trabalhos da Arandu Arakuaa já sabe bem que vocês trazem nas letras e nas músicas um pouco da essência de Pindorama, e em alguns casos, como em A-î-kuab r-asy, aparecem cenas do fim trágico dessa história. Como você considera a participação da Arandu Arakuaa nesse novo projeto, o álbum Pindorama do AcllA?

ZÂNDHIO AQUINO: É sempre uma grande satisfação contribuir com qualquer ação que visa divulgar e valorizar nossa cultura raiz, esse é o maior compromisso do Arandu Arakuaa. Infelizmente tem poucas pessoas fazendo isso, seja no campo das artes ou da política, então não é difícil encontrá-las por aí. Esperamos sinceramente que o Pindorama desperte o interesse de muitas pessoas por nossa cultura raiz e as inspirem a também darem sua contribuição para esta causa.

FÃS ARANDU ARAKUAA: Houve algum tipo de dificuldade no processo de gravação?

ZÂNDHIO AQUINO: Nenhuma. O processo todo foi conduzido com muito respeito, camaradagem e profissionalismo entre as partes. Também foi uma grande satisfação voltar a trabalhar em estúdio com o produtor Caio Duarte.

FÃS ARANDU ARAKUAA: Muitos fãs da Arandu estão ansiosos para ouvir o resultado final dessa parceria. Em termos de Arandu Arakuaa, o que nós, fãs, podemos esperar desse álbum?

ZÂNDHIO AQUINO: Pindorama é um disco do Aclla que musicalmente é muito diferente do Arandu Arakuaa e creio que mesmo se não tivesse nossa participação grande parte do nosso público iria gostar por causa da temática e por terem gosto musical bastante variado. Então o mérito é todo dos caras do Aclla. Porém, nas partes que participamos fica bem evidente os elementos do Arandu Arakuaa com a combinação das letras em tupi, melodias simples e marcantes na voz suave da Nájila, os maracás, pau de chuva...

FÃS ARANDU ARAKUAA: Há uma faixa em que você faz o vocal representando um Pajé, o trecho ficou extremamente belo e emocionante. Fale um pouco sobre a letra e sobre a mensagem que você passa nesse trecho.

ZÂNDHIO AQUINO: Esse trecho é na música Pindorama. A letra da música fala basicamente sobre o respeito que devemos ter por nossas raízes e pelos espíritos dos ancestrais que aqui habitam. A parte que canto é um agradecimento e ao mesmo tempo um pedido de proteção aos espíritos. Essas partes de cânticos que faço são diretamente influenciadas pelos cânticos dos pajés tanto no sentimento quanto na técnica vocal. Não sou cantor, nem músico, mas não poderia negar ao chamado dos espíritos e sou grato pelo dom que me foi confiado.

FÃS ARANDU ARAKUAA: Além da participação no álbum do AcllA a Arandu também foi convidada para fazer parte do novo CD da banda Cyber Croatoan, o que mostra que o trabalho da Arandu tem um diferencial no cenário do Metal e que tem alcançado o respeito e a admiração não só dos fãs, mas de outras bandas também. O que você tem a nos dizer sobre isso e como tem sido essa parceria com a Cyber Croatoan?

ZÂNDHIO AQUINO: Creio que esse respeito é fruto do nosso trabalho duro, humildade, compromisso com nossa cultura e amor à música. Quando é verdadeiro as pessoas notam. O convite para participar de uma música do Cyber Croatoan partiu do vocalista Phillipe Cadaverico logo após este ter nos visto tocar no Femme Festival em GO em março deste ano. Aceitamos de pronto e esperamos que essa música desperte o interesse de muitas pessoas pela cultura indígena. Musicalmente o Cyber Croatoan é direcionado para o industrial, com climas densos. A meu ver divulgar nossa cultura raiz é mais importante que qualquer rótulo fabricado pela indústria musical.

FÃS ARANDU ARAKUAA: Gostaríamos de agradecer pela entrevista e deixamos um espaço para que você faça suas considerações finais.

ZÂNDHIO AQUINO: Nós que agradecemos pelo apoio e pelo trabalho fantástico.
A todos que nos acompanham fiquem atentos às novidades em nossos canais oficias e no Fãs Arandu Arakuaa.



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Confiram um trecho  da participação da Arandu Arakuaa no álbum Pindorama...



O-syk oré ri
Ybaka suí ere-îur
E-îori oré pokoka
S-endy îepi nh~e
 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A Flauta Uruá



A flauta Uruá é um dos instrumentos musicais considerados sagrados pelos povos indígenas e é mais conhecida por sua utilização na festa do Kwarup, no Xingu. Mas essa tradição já esteve ameaçada pela falta de matéria prima, o bambu que era usado em sua confecção.

Segue um trecho retirado do artigo da Embrapa, O bambu do Uruá, por Fábio de Oliveira Freitas, Sandra Beatriz Cerqueira Zarur, Dijalma Barbosa da Silva e José Nelson Lemos Fonseca. Esse artigo conta um pouco da história de como foi possível preservar essa tradição.

Características do bambu, do instrumento e seu uso.

Os instrumentos musicais utilizados pelos indígenas eram geralmente feitos de ossos, de cabaças, bambus, cascas de árvores e taquaras e decorados com penas e outros enfeites coloridos; muitos considerados sagrados. Os instrumentos mais conhecidos são o maracá, a flauta uruá, a trombeta de cuia e o trocano.

A flauta Uruá é tocada em dois eventos no Xingu: na festa do Kwarup, que de forma muito simplificada é a última homenagem ao morto, quando dois índios, acompanhados por duas virgens, passam pelas ocas tocando essas flautas gigantes; e durante a furação de orelha, que é um rito de passagem dos jovens.

As principais características da importância desse bambu para a confecção da flauta são: colmo bem reto, com pouca variação de diâmetro; parede de colmo resistente, mas fina e entrenó macio, permitindo que o mesmo seja furado com facilidade, para a passagem do fluxo de ar, ao longo da tubulação da flauta.

O nome indígena deste bambu é Taakuát, em tupi-guarani, ou Ianati, na língua Yawalapiti, sendo que a flauta recebe o nome de Uruá na língua Kamaiurá ou Wëpë, em Yawalapiti. Segundo o seu relato, este bambu era conseguido por meio de trocas com os Mehinaku e Juruna, sendo a primeira etnia localizada na parte mais ao sul do Parque, enquanto os outros ficavam no extremo norte. O bambu acabou em ambas.

Cada gomo do colmo possui ao redor de 40 a 50 cm de comprimento, sendo que a flauta fina, que é dupla, fica com mais de dois metros, a partir do encaixe de pedaços contendo dois gomos cada. Ela não possui “furos” para mudanças de nota musical, mas apenas um defletor bucal, que serve tanto par afinar o instrumento como para variar o som através de mudança da embocadura. A variação dos tons é também conseguida pela diferença de sons emitidos por cada um dos dois tubos, de tamanhos diferentes e, portanto, emitindo notas distintas.

Segundo relato dos mesmos índios, este bambu também é a matéria prima para a confecção de uma outra flauta, a chamada de Takuara, originalmente feita pelos Bakairi, antigos moradores do Parque, que migraram para outras regiões há tempos e hoje se encontram muito descaracterizados.

Os índios do Xingu aprenderam com os Bakairi diversas músicas, tocadas em cinco flautas de tubos simples, menores, de diferentes tamanhos, utilizadas na festa da Takuara. Hoje, só o pessoal do Xingu mantém a tradição das músicas aprendidas no passado com os Bakairi que, infelizmente, devido aos 500 anos de contato, já não conhecem seus cantos e festas tradicionais.

A importância cultural da flauta do Bambu.

Festas e rituais são conduzidos ao som de músicas projetadas por estes instrumentos. O jeito artesanal de confeccionar, afinar e tocar a flauta estava se perdendo, pela falta da matéria prima. Ao reencontrarem a matéria prima, tiveram a chance não apenas de produzir novos instrumentos, mas de perpetuar a sua cultura para a nova geração.